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domingo, 17 de dezembro de 2023

A lenda do sino da igreja de São Pedro

Há uns cem anos, ou mais, todas as noites, à meia-noite, ouvia-se tocar um sino da igreja de S. Pedro, como se fosse para a missa.

Toda a gente se encolhia com medo, resguardava-se nas suas casas, e não havia quem quisesse passar a tal hora pelas imediações da igreja.

O Prior de então, homem animoso e destemido e incomodado com o assunto, chalaceava com a história. Por fás e nefas, resolveu uma noite ir ver de que se tratava. Coragem, não lhe faltava.

Chegou ao largo de São Pedro e deparou com a porta da igreja aberta e a igreja iluminada.

- "Aqui há coisa!..." - pensou

E entrou, com todo o cuidado na igreja.

Junto ao altar, lá ao fundo, estava um padre paramentado.

Avançou pela nave central até junto dele.

E, então assustado, o corpo tremendo, ouviu estas palavras:

- Obrigado por ter vindo. Há muitos anos que eu aqui venho todas as noites para celebrar missa, de que recebi a esmola e não cheguei a celebrá-la em vida. Mas, fui condenado a não poder celebrá-la sem que aparecesse acólito. Agradeço-lhe que me ajude e aviso-o de que deve sair antes da bênção. Não esqueça, Reverendo! Saia antes da bênção!

O pároco ficou próximo do altar, acolitando aquela alma que rezava a missa.

A missa celebrou-se.

Pode-se calcular como o prior ajudaria àquela missa, apesar de todo o seu sangue frio.

Quando se aproximou a bênção, dirigiu-se pressuroso para a porta e, apenas a tinha transposto, ela fechou-se brutal e sonora, e a luz apagou-se repentinamente no interior do templo.

De seguida, já se encontrava fora da igreja de São Pedro, o bom do pároco, vidrado de medo, ainda ouviu um estrondo medonho, como de trovoada se tratasse.

E... nunca mais se ouviu tocar o sino à meia-noite.

A não ser quando algum vivo o toca!...

Esse sino pequeno, do lado externo da torre tem esculpida uma imagem de santo com uma criança pela mão (talvez S. José) e do outro lado uma cruz. Também se lê nele uma inscrição:

"SANTOS, JOSÉ, ME FEZ, NO ANNO DE 1767"

A lenda do aqueduto de Faro

Reza a lenda que dois mouros, um de Estoi outro de Alface, entraram em disputa pela mão da filha do Rei de Santa Maria Ibn Harun (Faro). Contavam os antigos que a princesa era de uma beleza inigualável, que resplandecia luz, iluminando tudo à sua volta. Dizia-se ainda que o que o que ela tinha de mais lindo eram os seus longos cabelos negros que, quando soltos, arrastavam pelo chão. Os cabelos eram de um negro tão profundo e tão intenso que uma noite sem luar parecia dia, quando comparada com eles. 

Os dois mouros compareceram diante do rei e pediram a mão da princesa em casamento. Este que era um homem sábio e sabia tirar proveito de todas as situações, não queria ter de escolher entre dois dos seus súbditos, sobretudo sem ganhar nada com isso. Então dirigiu-se aos homens dizendo:

- A princesa é a minha única e estimada filha, não posso dar a sua mão de ânimo leve e tenho de saber que a tratam bem. Assim, casará com a princesa aquele que construir uma torre que se possa avistar da minha cidade e de onde a minha filha possa iluminar todo o seu reino, ou o que trouxer água em abundância e permanência onde a minha filha possa lavar os seus belos cabelos negros.

Os mouros depois de ouvirem a tarefa que tinham de fazer agradeceram ao rei e saíram.Na manhã seguinte o rei é informado que existe uma enorme cobra de água que jorra às portas da muralha. O monarca e os seus cavaleiros saem para descobrir a sua origem e seguem o aqueduto até à fonte de Alface, onde encontram o mouro de Alface à sua espera.

- Caro rei, aí tendes a vossa água, mostrei-me digno da tarefa. Lamento contudo que vendesses a vossa filha por um jorro de água para o vosso povo.

O rei envergonhado pelo mouro ser tão perspicaz e entender as suas reais intenções, para além de lhe dar a mão da filha em casamento tornou-o seu conselheiro oficial.

A lenda da serpente do rio seco

Segundo uma outra lenda, na  zona do Rio Seco terá existido um palácio onde vivia uma linda princesa moura. Tão bonita era a princesa que, quando se assomava à janela, até os pássaros cantavam e o próprio sol  parecia resplandecer com maior intensidade. Certo dia, um cavaleiro cristão acampou ali bem perto e, ao vê-la na sua varanda, logo se apaixonou.  A princesa reconheceu o cavaleiro, pois um dia sonhara que ele viria salvá-la da sua solidão. Um belo dia decidiram partir juntos e viajar por outras terras mas, assim que a bela moura saiu do palácio, Alá imediatamente a encantou, transformando-a numa serpente, que ficou aprisionada para sempre num poço sem fundo. Reza a lenda que, desde então, em noites de luar, é possível escutar a serpente, com voz de mulher, chorando por desgosto de amor.

A lenda da moura na nora do rio seco

Numa agradável noite de primavera, poucos dias depois da tomada do castelo de Faro, passava um soldado cristão muito próximo do Rio Seco, quando ouviu duas vozes tristes. Parou e pôs-se à escuta, percebendo rapidamente que se tratava de uma conversa entre um velho mouro e uma jovem moura. O homem, angustiado, dizia:

 - Lamento minha filha, mas vais ter de ficar aqui encantada.

 - E será por muito tempo, meu pai? Perguntou a rapariga.

   - Até que esta nora, dentro da qual mandei construir o teu palácio, seja esgotada a baldes, sucessivamente e sem intervalos. E ao mesmo tempo que proferiu estas palavras, fez uns sinais e levantou os olhos para a lua. Resignada, a jovem moura não disse uma única palavra e deixou-se lançar para o fundo da nora. Feito isto, o velho mouro desapareceu subitamente.

    No dia seguinte, o soldado cristão voltou àquele lugar e viu a nora. Procurou então saber a quem pertencia o engenho mourisco e comprou-o. De seguida, pegou num grande balde e começou a retirar água da nora. Trabalhou um dia inteiro sem interrupção e, quando finalmente conseguiu ver o fundo da nora já praticamente seca, desceu através de uma corda. Mal chegou ao fundo apareceu-lhe uma grande serpente que saiu de um buraco que comunicava para a nora. Assustado com o bicho, voltou a subir pela corda e saltou para fora da nora. Nunca mais ali voltou, mas soube, alguns dias depois, que a nora estava completamente entupida, porque as suas paredes tinham caído. Ora contam os antigos que, nesse mesmo sitio, durante muitos anos continuou a aparecer uma moura encantada.

A lenda do mouro encantado no rio seco

O Rio Seco é uma ribeira que nasce na zona de São Brás de Alportel e desce, passando por por Estoi e Conceição de Faro, até desaguar na Ria Formosa a Este de Faro. A nascente da zona de Santo António do Alto, existia um campo por onde passava o Rio Seco. Era ai que todos os dias se dirigia uma jovem lavadeira de Faro. Numa bela manhã, enquanto lavava a roupa dos clientes, trauteava a sua canção favorita:

Cuidando da minha vida

Fui ao rio para lavar;

Mas logo um mouro encantado

Apareceu a meu lado

Para comigo casar.

Mas porque é mouro encantado

Rapariga Cristã não pode levar!...

Foi então que viu na agua límpida da ribeira, o reflexo de um jovem bem vestido. Levantou-se de imediato e o homem que estava em pé ao seu lado disse-lhe:

- Bom dia Joana. Posso conversar contigo?

Ela, admirada respondeu:

-Falar comigo? Você não é daqui, pois não?

-Claro que sou. E já muitas vezes te ouvi cantar.

Joana respondeu:

- Desculpe mas agora não posso conversar, tenho roupa para lavar.

- Não te preocupes - disse o homem. Se quiseres não precisarás mais de lavar roupa.

- Mas eu sou pobre, senhor, este é o meu ganha pão.

- Não importa, tu és muito bonita Joana, basta que cases comigo.

A rapariga surpreendida, respondeu:

- Peço desculpa senhor, mas preciso terminar de lavar a roupa, pois a minha mãe está à minha espera.

- Está certo Joana, mas promete que regressas amanhã para conversarmos sobre o casamento e não fales deste assunto com ninguém.   

A rapariga prometeu que regressaria no dia seguinte e, um pouco assustada, partiu imediatamente para casa.

Ao longo do dia a mãe de Joana sentiu que a filha andava um pouco agitada e perguntou-lhe o que se passara. A rapariga acabou por ceder à pressão da mãe e, apesar de ter jurado segredo, contou-lhe sobre o encontro que tivera no rio seco com um senhor que lhe pedira em casamento. Foi então que uma ideia lhe ocorreu:

- É isso! Ele diz que me ouviu cantar...então deve ter sido a canção do rio que chamou por ele.

A mãe, apreensiva, lembrou-se que este talvez fosse um dos mouros encantados que, se segundo os mais velhos contavam, viviam por debaixo do rio. Ordenou então à filha:

- Amanhã vais ao rio sozinha, mas levas esta cruz. Quando o senhor te pedir para casares com ele, obriga-o a jurar sobre a cruz. Se jurar, é cristão, senão... é um mouro encantado!

Joana concordou que era uma boa ideia e na manhã seguinte assim fez, colocou um crucifixo ao pescoço e partiu para o Rio Seco.  Após lavar a roupa, a rapariga sentou-se numa rocha e esperou pelo distinto cavalheiro que lhe havia aparecido no dia anterior. Quando este chegou, montando um belo cavalo, cumprimentou a jovem com um grande sorriso e perguntou-lhe:

- Já pensaste na minha proposta de casamento?

 Joana respondeu:

- Decidi aceitar a sua generosa proposta mas, como sou uma rapariga de famílias pobres preciso ter certeza que tem as melhores intenções.

- Claro que sim Joana. Gosto muito de ti rapariga.

-Então jure por esta cruz que vai mesmo casar comigo.

O cavalheiro jurou, mas nesse mesmo instante um relâmpago rasgou o céu, assustando o cavalo, e logo desapareceu entre a rama das árvores sem deixar rasto.

Desde então nunca mais foi visto, mas conta o povo que todos os anos, nesse mesmo dia,   à mesma hora, quem passar pelo Rio Seco ainda pode escutar o som do cavalo assustado.

Quando a rapariga chegou a casa e contou à mãe a história, esta imediatamente compreendeu o que havia sucedido. O homem era afinal um mouro encantado que, para quebrar o seu feitiço, precisava conquistar o amor de uma jovem cristã. Contudo, ao jurar pela cruz, traiu a sua religião e foi castigado por Alá!